Quanta contradição, hein?!
Paradoxo
Certa
ocasião, em meu local de trabalho, eu presenciei dois colegas falando das
mazelas que acometem o nosso País: descaso com educação e saúde e,
principalmente, a corrupção, envolvendo tanto o setor privado com o público, ou
dos unidos em ação conjunta, numa ação nefasta contra toda a população e o
contribuinte.
O primeiro deles – um PM reformado, saudosista
do antigo regime militar, o que até possa justificar sua admiração e, não sei
por cargas d’água, também um admirador de Fidel Castro – declarou,
textualmente, que o Brasil precisava de homem como o presidente cubano, para
por ordem nesta nossa Terra brasilisis.
Eu ouvia os dois conversando, e fiquei
na minha, como se costuma dizer na gíria, sem me intrometer, pois, afinal de
contas, não me convidaram para o colóquio nem pediram minha opinião. Assim,
ainda que o assunto da prosa fosse do meu interesse, continuei como estava, em
silêncio, folheando as páginas de um livro, mas acompanhamento as suas
digressões.
Aproveitando
a deixa, o segundo – que eu o sabia sindicalista e militante do PT (Partido dos
Trabalhadores) – não fez nenhuma obtemperação contrária à alusão aos militares
e, de maneira enfática, ratificou as palavras do colega quanto ao papel
moralizador que Fidel exerceria, caso assumisse os desígnios de nossa Pátria.
Este falou dos benefícios à população, no tocante à saúde e educação, depois
que o líder revolucionário cubano depôs o regime ditatorial e corrupto de
Fulgêncio Batista. É verdade, sim, não se pode negar esses progressos,
entretanto, uma das coisas mais caras ao ser humano – a liberdade de expressão,
de contraditar, reivindicar melhorias, etc. – Fidel, nesse aspecto, seguiu os
mesmo passos do governo pró-americano anterior. De que adianta ter saúde,
educação, moradia e comida, se você, tudo o que pode dizer é amém para o que
está certo ou errado.
Após tantos encômios ao regime
castrista, eu, não me contendo, pedi permissão aos dois para externar meu
pensamento a respeito do assunto em voga. Comecei pelo meu colega PM – uma
ilha, termos de paradoxo – dizendo-lhe que o regime, assim como o regime
castrista, cometera a mesma aberração com a decretação dos AI – atos
institucionais, abolindo o direito de o cidadão expressar livremente sua
opinião. Lembrei-lhe ainda que, durante o regime de exceção dos militares, a
corrupção grassava em todos setores da vida nacional, com o agravante de que
ninguém podia se manifestar contra aquilo que era óbvio. Quando a podridão era
por demais visível, o governo cuidava ou em dizer tratar-se mentiras dos
“inimigos do regime” (os movimentos políticos de esquerda de todas as cores e
correntes de pensamento), ou tomar providências, tipo aquela famosa “duela a
quien duela”. Quem não se lembra do caso Ana Lídia – a garotinha morta pelo
filho do Ministro das Relações Exteriores à época? Todas as provas conduziam ao
assassino, mas, para preservar a imagem de uma das figuras do regime, o caso
foi arquivado, como soía acontecer, “por falta de provas”. Depois, virando-me
para o militante petistas, disse-me que não conseguia compreender do pensamento
do pessoal do PT, defensores “ferrenhos” do regime democrático de direito
(lembrar que não só petistas, como também os comunistas brasileiros, em suas
manifestações contra o governo, sempre invocam a democracia, a liberdade de
opinião, etc.) e terem como ídolo alguém como Fidel Castro, que chagara ao
poder pela força das armas, e, passados quarenta e poucos, na época, nunca o
regime promovera eleições livres, de modo a promover a renovação dos dirigentes
cubanos. Como pode alguém ser democrata, estando a tanto no poder? Também
disse-lhe que ele se enganava se pensava que em Cuba não havia corrupção.
Havia, sim, e, assim como no Brasil, durante os governos militares, tudo era
varrido para debaixo do tapete. Em Cuba, na China, na ex-União Soviética e nos
demais satélites do regime comunista, uma minoria formada pelos dirigentes do
Partidão vivia, nababescamente, enquanto a população passava fome.
Tudo isso eu falei, sem momento
algum ser contraditado. Achei que, possivelmente, por falta de leitura ou pela
cegueira que acomete os indivíduos fanatizados. Não se pode acreditar em tudo
que se ou lê, mas pode-se fazer as duas coisas, sempre com espírito crítico.
Disse a ambos que não existe regime
perfeito, porque nada é perfeito ou ideal, que reconhecia os crimes do
capitalismo, em especial do capitalismo selvagem, não podia deixar de
reconhecer também seu positivo. Também, como disse João Paulo II, o regime
comunista não era, in totum, uma
excrescência das sociedades humanas. Contudo, especificamente em relação a
Cuba, perguntei o que achariam eles de receberem uma casa, com todo o conforto
de que pudessem imaginar, se, em trocar disso, eles tivessem que calar, vendo,
ao redor deles, pessoas viverem em condições totalmente adversas às suas. O
passarinho, engaiolado, recebe de seu dono e seu algoz pão e água, mas, tivesse
ele que escolher, certamente preferiria viver longe dali.
Pois é assim que é vida de quem vivem em
Cuba, China e Coreia do Norte. Neste último, quem viu a população chorando a
morte de seu líder, saiba que aquele clamor fazia de toda uma encenação
orquestrada pelos dirigentes. E aí de quem não chorasse! Lembro-me de que uma
jornalista brasileira que, durante o voo para Pyongyang, fora alertada para o fato
de ter dobrado o jornal disponibilizado aos passageiros, no qual havia
estampada, na primeira página, uma foto do presidente Kim Jong-il. Isso poderia
lhe valer alguns anos de prisão. Na última Copa do Mundo, quando os jogadores
da seleção de seu país receberam sucessivas goleadas, eles foram severamente
punidos e, apenas um jogo perdido por 1x0, semanas depois, pode ser visto pela
população como um ato heroico do regime.
Assim, meus amigos, querem viver em
Cuba? Se mandem para lá e, quando sentirem na pele o que é viver num regime de
exceção, não venham com aquela velha desculpa sobre o embargo econômico. Regime
de exceção é de exceção, de tolhimento de liberdades individuais e coletivas,
seja ele de direita ou de esquerda.